terça-feira, 22 de maio de 2012

O Amor dos homens

Na árvore em frente
Eu terei mandado instalar um alto-falante com que os passarinhos
Amplifiquem seus alegres cantos para o teu lânguido despertar.
Acordarás feliz sob o lençol de linho antigo
Com um raio de sol a brincar no talvegue de teus seios
E me darás a boca em flor; minhas mãos amantes
Te buscarão longamente e tu virás de longe, amiga
Do fundo do teu ser de sono e plumas
Para me receber; nossa fruição
Será serena e tarda, repousarei em ti
Como o homem sobre o seu túmulo, pois nada
Haverá fora de nós. Nosso amor será simples e sem tempo.
Depois saudaremos a claridade. Tu dirás
Bom dia ao teto que nos abriga
E ao espelho que recolhe a tua rápida nudez.
Em seguida teremos fome: haverá chá-da-índia
Para matar a nossa sede e mel
Para adoçar o nosso pão. Satisfeitos, ficaremos
Como dois irmãos que se amam além do sangue
E fumaremos juntos o nosso primeiro cigarro matutino.
Só então nos separaremos. Tu me perguntarás
E eu te responderei, a olhar com ternura as minhas pernas
Que o amor pacificou, lembrando-me que elas andaram muitas léguas de mulher
Até te descobrir. Pensarei que tu és a flor extrema
Dessa desesperada minha busca; que em ti
Fez-se a unidade. De repente, ficarei triste
E solitário como um homem, vagamente atento
Aos ruídos longínquos da cidade, enquanto te atarefas absurda
No teu cotidiano, perdida, ah tão perdida
De mim. Sentirei alguma coisa que se fecha no meu peito
Como pesada porta. Terei ciúme
Da luz que te configura e de ti mesma
Que te deixas viver, quando deveras
Seguir comigo como a jovem árvore na corrente de um rio
Em demanda do abismo. Vem-me a angústia
Do limite que nos antagoniza. Vejo a redoma de ar
Que te circunda - o espaço
Que separa os nossos tempos. Tua forma
É outra: bela demais, talvez, para poder
Ser totalmente minha. Tua respiração
Obedece a um ritmo diverso. Tu és mulher.
Tu tens seios, lágrimas e pétalas. À tua volta
O ar se faz aroma. Fora de mim
És pura imagem; em mim
És como um pássaro que eu subjugo, como um pão
Que eu mastigo, como uma secreta fonte entreaberta
Em que bebo, como um resto de nuvem
Sobre que me repouso. Mas nada
Consegue arrancar-te à tua obstinação
Em ser, fora de mim - e eu sofro, amada
De não me seres mais. Mas tudo é nada.
Olho de súbito tua face, onde há gravada
Toda a história da vida, teu corpo
Rompendo em flores, teu ventre
Fértil. Move-te
Uma infinita paciência. Na concha do teu sexo
Estou eu, meus poemas, minhas dores
Minhas ressurreições. Teus seios
São cântaros de leite com que matas
A fome universal. És mulher
Como folha, como flor e como fruto
E eu sou apenas só. Escravizado em ti
Despeço-me de mim, sigo caminhando à tua grande
Pequenina sombra. Vou ver-te tomar banho
Lavar de ti o que restou do nosso amor
Enquanto busco em minha mente algo que te dizer
De estupefaciente. Mas tudo é nada.
São teus gestos que falam, a contração
Dos lábios de maneira a esticar melhor a pele
Para passar o creme, a boca
Levemente entreaberta com que mistificar melhor a eterna imagem
No eterno espelho. E então, desesperado
Parto de ti, sou caçador de tigres em Bengala
Alpinista no Tibet, monje em Cintra, espeleólogo
Na Patagônia. Passo três meses
Numa jangada em pleno oceano para
Provar a origem polinésica dos maias. Alimento-me
De plancto, converso com as gaivotas, deito ao mar poesia engarrafada, acabo
Naufragando nas costas de Antofagasta. Time, Life e Paris-Match
Dedicam-me enormes reportagens. Fazem-me
O "Homem do Ano" e candidato certo ao Prêmio Nobel.
Mas eis comes um pêssego. Teu lábio
Inferior dobra-se sob a polpa, o suco
Escorre pelo teu queixo, cai uma gota no teu seio
E tu te ris. Teu riso
Desagrega os átomos. O espelho pulveriza-se, funde-se o cano de descarga
Quantidades insuspeitadas de estrôncio-90
Acumulam-se nas camadas superiores do banheiro
Só os genes de meus tataranetos poderão dar prova cabal de tua imensa
Radioatividade. Tu te ris, amiga
E me beijas sabendo a pêssego. E eu te amo
De morrer. Interiormente
Procuro afastar meus receios: "Não, ela me ama..."
Digo-me, para me convencer, enquanto sinto
Teus seios despontarem em minhas rnãos
E se crisparem tuas nádegas. Queres ficar grávida
Imediatamente. Há em ti um desejo súbito de alcachofras. Desejarias
Fazer o parto-sem-dor à luz da teoria dos reflexos condicionados
De Pavlov. Depois, sorrindo
Silencias. Odeio o teu silêncio
Que não me pertence, que não é
De ninguém: teu silêncio
Povoado de memórias. Esbofeteio-te
E vou correndo cortar o pulso com gilete-azul; meu sangue
Flui como um pedido de perdão. Abres tua caixa de costura
E coses com linha amarela o meu pulso abandonado, que é para
Combinar bem as cores; em seguida
Fazes-me sugar tua carótida, numa longa, lenta
Transfusão. Eu convalescente
Começas a sair: foste ao cabeleireiro. Perscruto em tua face. Sinto-me
Traído, delinqüescente, em ponto de lágrimas. Mas te aproximas
Só com o casaco do pijama e pousas
Minha mão na tua perna. E então eu canto:
Tu és a mulher amada: destrói-me! Tua beleza
Corrói minha carne como um ácido! Teu signo
É o da destruição! Nada resta
Depois de ti senão ruínas! Tu és o sentimento
De todo o meu inútil, a causa
De minha intolerável permanência! Tu és
Uma contrafação da aurora! Amor, amada
Abençoada sejas: tu e a tua
Impassibilidade. Abençoada sejas
Tu que crias a vertigem na calma, a calma
No seio da paixão. Bendita sejas
Tu que deixas o homem nu diante de si mesmo, que arrasas
Os alicerces do cotidiano. Mágica é tua face
Dentro da grande treva da existência. Sim, mágica
É a face da que não quer senão o abismo
Do ser amado. Exista ela para desmentir
A falsa mulher, a que se veste de inúteis panos
E inúteis danos. Possa ela, cada dia
Renovar o tempo, transformar
Uma hora num minuto. Seja ela
A que nega toda a vaidade, a que constrói
Todo o silêncio. Caminhe ela
Lado a lado do homem em sua antiga, solitária marcha
Para o desconhecido - esse eterno par
Com que começa e finda o mundo - ela que agora
Longe de mim, perto de mim, vivendo
Da constante presença da minha saudade
É mais do que nunca a minha amada: a minha amada e a minha amiga
A que me cobre de óleos santos e é portadora dos meus cantos
A minha amiga nunca superável
A minha inseparável inimiga. 

Vinicius de Moraes

Do fim

Ao longo dos últimos meses vim a descobrir uma grande necessidade de amar, de me entregar a uma adoração. Não a sentia na relação que tinha, apesar de, acredito, ter amado o meu ex namorado, faltava alguma coisa na nossa relação. Faltava empenho e vontade de ultrapassar limites, faltava tempo para apreciar mais a presença do outro e fazer coisas diferentes. E tudo isto foi desgastando o namoro, foi abrindo espaço a novas oportunidades, novas perspectivas.
Quando as pessoas já se conhecem demasiado bem, quando já não à espaço à novidade a tendência é a instalar-se a monotonia, a rotina no sentido negativo da palavra. Sou uma pessoa de hábitos, ao contrário da maioria, não me incomoda a mesmice de dias e actividades. Não questiono aquilo de que gosto e aquilo que me faz sentir bem. Contudo, há limites. A adoração que eu queria sentir tendia a não chegar e a fugir até. Orgulho-me dos três anos em que consegui me adaptar e não seguir o caminho mais fácil nem fugir do medo e do preconceito. Mas o caminho faz-se para a frente e ser adulto é saber reconhecer que tudo tem um fim. E que a seguir a um fim, há um novo principio, uma nova pessoa, uma nova vida de possibilidades. E eu, continuo aqui, a viver a minha mesmice confortável e feliz, e a esperar pela adoração que mais uma vez acredito poder encontrar. Porque ela faz sentido.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Rua da Amargura

A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto.
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte.
A minha rua tem gatos que não fogem e cães que não ladram
Tem árvores grandes que tremem na noite silente
Fugindo as grandes sombras dos pés aterrados.
A minha rua é soturna…
Na capela da igreja há sempre uma voz que murmura louvemos
Sozinha e prostrada diante da imagem
Sem medo das costas que a vaga penumbra apunhala.
A minha rua tem um lampião apagado
Na frente da casa onde a filha matou o pai
Porque não queria ser dele.
No escuro da casa só brilha uma chapa gritando quarenta.

A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres inchados
De ventres inchados que vão perder meninas pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas.

É a impossibilidade de fuga diante da vida
É o pecado e a desolação do pecado
É a aceitação da tragédia e a indiferença ao degredo
Como negação do aniquilamento.

É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite.
É a rua por onde eu passo a minha angústia
Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de prazeres inacabados.
É a longa rua que me leva ao horror do meu quarto
Pelo desejo de fugir à sua murmuração tenebrosa
Que me leva à solidão gelada do meu quarto...

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ups

Acabei de ter um surto psicótico e rodei a baiana aqui no estaminé.
Foi bonito de se ver, adorava ter saído do meu corpo para me ter assistido a gritar e a virar as costas ao meu chefe. Pena que não me apercebi do todo nem da reacção dele.

While flying

Tu estás só e eu mais só estou
Tu que tens o meu olhar
Tens a minha mão aberta
À espera de se fechar
Nessa tua mão deserta


(...)

Tu continuas à espera
Do melhor que já não vem
E a esperança foi encontrada
Antes de ti por alguém
E eu sou melhor que nada


António Variações - Canção do Engate

sábado, 12 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Deixa-te levar pelo meu encanto*


Não há nada mais bonito e emocionante que a fase do encantamento por uma pessoa. Aquela fase em que estamos ainda a conhecer e a descobrir tantos aspectos que nos encantam. O que a pessoa tem de bonito e de diferente. E a esperança que a pessoa se torne a nossa pessoa. A minha pessoa, a que tenho estado à espera de encontrar. Ou a que, em boa hora, me encontrou. E encantou...

*Letra da música Corre, d´Os Azeitonas

terça-feira, 8 de maio de 2012

Faz dói dói

Gosto de achar que andava a passear pela vida, a saborear tudo o que me aparecia pela frente... ou esse era o plano. Mas fui apanhada na rede... Ele diz que ando num carrossel... e talvez eu esteja à espera que me puxe para fora e me cante baixinho ao ouvido "querida, mi vida...". Mas não estou no carrossel... estou no trapézio... mais uma vez.

Do dia da mãe

Não ligo nenhuma ao dia da mãe, do pai, da criança, dos avós, de carnaval, da páscoa, do natal, da hannukah e de ano novo. O único dia a que ligo e que acho que merece celebração são os aniversários. E felizmente tenho uns pais que entendem que eu não ligo e que como tal deixaram de me cobrar a atenção que supostamente se deve a eles nos seus "respectivos" dias.
Não estive com a minha mãe no domingo porque o dia da mãe são todos os dias enquanto as temos.
Não posso dizer que tenho a melhor mãe do mundo, tenho a que me calhou em sorte e que fez tudo o que podia, como sabia, para me fazer uma pessoa feliz. Assim como nunca me disse que eu sou a melhor filha do mundo, porque não o fui e seguramente continuo a não o ser. Mas sou a filha que lhe saiu e que se esforça, e tem esforçado, por ser boa, por não dar desgostos, por fazer as vontades que considero serem possiveis de fazer.
Eu não sou mãe e não quero ser mãe. Ou pelo menos durante os próximos dez anos. Talvez porque tive uma mãe que não queria ter filhos e que nos culpou por todas as boas oportunidades que podia ter tido e teve de deixar de lado para nos ter. Não tive uma mãe sempre presente nem uma mãe que estudava comigo e via os meus cadernos à procura dos tpc´s por fazer. Não tive uma mãe que me perguntava pelas notas dos testes ou por namorados. Mas tive, e tenho, uma mãe que é a melhor companheira de viagem, a melhor companheira de compras, a melhor confidente. E isto é tanto... é muito mesmo. Não tive a melhor mãe, mas tenho a melhor amiga.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Do drama


Honestamente não entendo as pessoas complicadas.

Todos já sofremos, todos já provocamos sofrimento. Faz parte do crescimento, de ser adulto.

Não é por isso que nos vamos fechar ao mundo e ao amor. Nem ao conhecimento e partilha.

Digo eu… eu não sou complicada!

I (heart) Trapeze